“Herdeiros do Crime, estrelas do show?”

| Créditos: Reprodução/Pinterest


A que ponto chegamos. Em um país onde o tráfico de drogas avança pelas frestas das instituições e infiltra-se nas camadas mais vulneráveis da sociedade, agora vemos filhos de dois dos maiores nomes do crime organizado nacional prestes a lançar uma parceria musical. 

É isso mesmo. Lucas Camacho, de 16 anos, filho de Marcola — líder do PCC — e o rapper Oruam, nome artístico de Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, filho de Marcinho VP — histórico integrante do Comando Vermelho — prometem unir vozes em uma faixa que, desde já, causa barulho antes mesmo de ser ouvida.

O que poderia ser apenas mais um feat no trap brasileiro se transforma em um evento simbólico: o encontro entre os herdeiros de dois impérios erguidos à margem da lei. Enquanto seus pais seguem presos em presídios federais de segurança máxima — de onde ainda influenciam as engrenagens das facções — os filhos caminham entre holofotes, seguidores nas redes sociais e declarações de superação.

Lucas, com seus mais de 22 mil seguidores, compartilha uma vida de conforto, viagens e ambições nobres, como o desejo de se formar em economia. Fala em propósitos maiores e em não repetir os erros paternos. Oruam já é um nome consolidado na cena musical, representando vivências da periferia com batidas modernas e estética de sucesso.

Mas o incômodo está longe de ser com o talento. A crítica é mais profunda. É sobre a glamurização de trajetórias marcadas pela dor de milhares de famílias vítimas do crime. É sobre como o mercado cultural parece cada vez mais indiferente à origem das narrativas que consome, desde que deem cliques, streams e manchetes. É sobre os absurdos diários que se empilham em silêncio, até o momento em que nos pegamos perguntando: isso é normal?

Não se trata de negar a possibilidade de redenção. Todo jovem tem direito a sonhar, recomeçar e trilhar caminhos distintos dos seus antecessores. Mas quando esse recomeço se dá com status de celebridade, capitalizando simbolicamente o sobrenome do crime, algo parece estar fora de lugar.

A que ponto chegamos, de fato? 

Quando herdeiros do tráfico são acolhidos como ícones pop, enquanto filhos da periferia sem sobrenomes famosos seguem invisíveis, encarando um sistema que os pune por muito menos.

A trilha sonora do nosso futuro está sendo composta por notas cada vez mais sombrias, e a responsabilidade de mudar essa melodia é, inegavelmente, nossa.

Por Alcina Reis

Jornalista Alcina Reis | Créditos: Arquivo pessoal

Compartilhe: