Porto Alegre não investiu um centavo em prevenção contra enchentes em 2023

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A Prefeitura de Porto Alegre não investiu um real sequer em prevenção a enchentes em 2023. A situação ocorre mesmo com o departamento que cuida da área tendo R$ 428,9 milhões em caixa. Os dados foram retirados do Portal da Transparência de Porto Alegre.

A Secretaria Municipal de Comunicação, da gestão de Sebastião Melo (MDB), argumentou que o gasto não é zero porque investiu em outras áreas que também impactam na prevenção às cheias.

Até chegar a R$ 0, o investimento para prevenção a enchentes caiu dois anos seguidos em Porto Alegre. O orçamento tem um item chamado "Melhoria no sistema contra cheias", que não recebeu recursos ano passado.

 

Dinheiro em caixa

Apesar da falta de investimentos, há dinheiro disponível. O DMAE (Departamento Municipal de Águas e Esgotos), responsável por cuidar da gestão desta área, tem R$ 428,9 milhões no chamado "ativo circulante". Esta expressão representa os bens de maior liquidez de uma empresa, ou seja, que podem ser convertidos em dinheiro em até 12 meses. Enquanto o gasto com proteção contra cheias foi zero, o resultado patrimonial apresentou superávit de R$ 31.176.704,80 (R$ 31,1 milhões), informa trecho do balanço do DMAE.

Os valores citados nesta reportagem constam da demonstração contábil de 2023. Este é o documento mais atualizado sobre a situação financeira do departamento responsável por prevenir enchentes em Porto Alegre.


Prefeitura diz que fez investimentos
Houve gastos em prevenção às cheias, mas feitos por meio de outras áreas, diz a Prefeitura. O secretário de Comunicação da cidade, Luiz Otávio Prates, disse que a proteção às enchentes é "transversal" e engloba investimentos em várias secretarias.

Ele não nega que o item "Melhoria no sistema contra cheias" ficou de fora do orçamento do ano passado. Mas Luiz Otávio entende que o Portal da Transparência precisa mudar para refletir situações em que uma necessidade é atendida por diferentes setores.

O secretário citou algumas medidas ocorridas nos últimos anos. Luiz Otávio entende que se tratam de investimentos em prevenção à enchentes.

Inventário de gases de efeito estufa;
Mapeamento de áreas de risco;
Gasto de R$ 200 milhões em drenagem;
Reforma de casas de bombas ao custo de R$ 20 milhões;
Compra de botes e contratação de 35 servidores para Defesa Civil;
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Redução de pessoal
O quadro de servidores do DMAE foi reduzido quase pela metade desde 2013.

2.049 servidores em 2013;
1.072 servidores hoje;
47,6% de redução;
Apesar da redução dramática de pessoal, o prefeito Sebastião Melo recusou a contratação de 443 funcionários. A Secretaria Municipal da Fazenda havia autorizado abrir estas vagas em 2022, mas o procedimento foi interrompido ano passado por decisão do prefeito.

 

Plano de privatização
A contradição é que uma empresa pública não busca o lucro, mas atender a população. A afirmação é de Edson Zomar, diretor do Simpa (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre).

O líder sindical acusa a prefeitura de sucatear a DMAE para vendê-la. Zomar declarou ao UOL que a falta de manutenção e novos investimentos é pensada para a população considerar o departamento ineficaz e aceitar a privatização.

O diretor do Simpa disse que o primeiro passo para precarização foi diminuir o número de funcionários. Zomar afirmou que a DMAE tem metade dos servidores necessários. Com menos empregados, fica difícil manter a qualidade dos serviços, e os problemas começam a aparecer.

Pesquisadores confirmam que a falta de manutenção colocou o sistema de prevenção em risco. Parafusos, borrachas e trilhos se deterioraram ao longo da estrutura de proteção.

Não é uma crença, é uma constatação. Falta manutenção no sistema.
Fernando Dornelles, professor e doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da UFRGS

O sistema de proteção de Porto Alegre foi implementado na década de 1970. Composto por um muro de três metros, diques e comportas, ele funciona como uma barreira que protege a cidade ao longo de 60 quilômetros.

Mas a estrutura não foi suficiente para proteger Porto Alegre na última semana. A falência no sistema coincide com o corte de verbas. A cidade está enfrentando racionamento de água, aeroporto fechado por tempo indeterminado e 7.500 moradores em abrigo. Não há previsão para a normalidade voltar à cidade.

Calamidade pública
Nesta segunda-feira, o governo federal reconheceu estado de calamidade pública na maioria dos municípios do Rio Grande do Sul, incluindo Porto Alegre. A formalidade permite uma facilidade maior no repasse de verbas federais para locais afetados por desastres e tragédias.

Ao menos 90 pessoas morreram em decorrência das chuvas em todo o Rio Grande do Sul, segundo a Defesa Civil. Outros quatro óbitos estão sendo investigados sob suspeita de relação com os eventos meteorológicos. 111 pessoas estão desaparecidas, 291 ficaram feridas, 129.279 estão desalojadas e, no total, 873.275 foram afetadas.

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