“Imposto caduca, mas o povo não escapa”

| Créditos: Imagem: Reprodução Cargo X


A cena se repete com uma constância quase irônica, daquelas que nos fazem questionar a trama do espetáculo que chamamos de justiça. Desta vez, o palco é Mato Grosso do Sul, e o protagonista é a Eldorado Brasil Celulose, agraciada com uma liminar que suspende a cobrança de quase 400 milhões de reais em ICMS. O motivo da multa? Créditos fiscais "caducados". A justificativa para a liminar? Evitar prejuízos à empresa.

Enquanto a caneta do desembargador Ary Raghiant Neto desenha traços milionários de alívio fiscal, a mente do cidadão comum fervilha com perguntas retóricas. "Dívida caducou?", ecoa o refrão de uma indignação silenciosa. Caducar, para o povo que sustenta essa máquina com seu suor e impostos, significa boletos atrasados, juros implacáveis, a ameaça de ter o nome sujo e o acesso ao crédito negado. Significa, na pior das hipóteses, a água e a luz cortadas, a escola do filho comprometida, a geladeira vazia.

Para o empresário de pequeno e médio porte, aquele que rala de sol a sol para manter as portas abertas, a ideia de ter seus impostos "caducados" soa como um delírio, uma fantasia inalcançável. Para ele, o Fisco não perdoa. Pelo contrário, a cada atraso, a cada equívoco, a mão do Estado aperta com juros e multas que, muitas vezes, inviabilizam o negócio.

Mas a Eldorado Brasil Celulose, uma gigante do setor, consegue a proeza. A liminar concedida pelo desembargador ignora a decisão anterior do juiz Marcelo Andrade Campos Silva, que havia negado o pedido da empresa. A balança da justiça pende, então, para o lado daquele que tem mais a perder em cifras grandiosas, convenientemente esquecendo o "prejuízo" invisível e contínuo que o povo experimenta diariamente.

E é nesse abismo entre a realidade de uns e de outros que reside a verdadeira crítica. Enquanto isso, quem paga é o povo que não é consultado. O mesmo povo que, sem ter a mínima voz ou voto nessas decisões, arca com os custos da máquina pública, com a manutenção de um sistema que parece operar em uma órbita paralela à sua.

A cada ICMS não cobrado de uma grande empresa, a cada perdão fiscal concedido, a conta recai sobre os ombros de quem não tem milhões para brigar na justiça, de quem não tem um batalhão de advogados para invocar argumentos de "prejuízo". O imposto que a Eldorado não paga será, de alguma forma, compensado pelo aumento de alguma taxa, pela diminuição de algum serviço público essencial, ou, de forma mais sutil, pela contínua precarização da vida da maioria.

Não se trata de questionar o direito à defesa de qualquer empresa, mas sim de indagar sobre a equidade e a transparência de um sistema que parece ter dois pesos e duas medidas. O que justifica isso? A pergunta ecoa no vazio, sem resposta satisfatória, enquanto o povo, alheio às manobras jurídicas milionárias, continua a pagar a conta.

Será que um dia a justiça terá olhos para o contribuinte comum com a mesma benevolência que olha para as grandes corporações?

Por Alcina Reis

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