Cidade bombardeada por 450 bombas nucleares vive epidemia de câncer e distribui ‘passaportes de radiação’
- porR7
- 23 de Junho / 2025
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Efeitos da radiação também impactam a saúde mental da população | Créditos: Yves Alarie/Unsplash
Por quatro décadas, a cidade de Semipalatinsk, no nordeste do Cazaquistão, foi alvo de 456 testes nucleares realizados pela União Soviética. A área, conhecida como “Polígono”, segue registrando casos de câncer, malformações e doenças genéticas, com o último teste nuclear sendo feito em outubro de 1989. Famílias da região vivem até hoje com as consequências da radiação e recebem dos governos um documento conhecido como “passaporte de radiação”, que reconhece a exposição às explosões.
De acordo com uma reportagem do The Sun, o local foi usado entre 1949 e 1989 como principal campo de testes atômicos da União Soviética. Estima-se que 1,5 milhão de pessoas tenham sido diretamente expostas à precipitação radioativa. Até hoje, crianças nascem com deformidades, membros ausentes e síndromes genéticas, enquanto casos de câncer, infertilidade e doenças cardíacas continuam a crescer.
“O pior é quando os médicos diagnosticam câncer. É como uma sentença de morte. Uma sentença de morte dolorosa. Sem ajuda e tratamento adequados”, relatou Maira Abenova ao jornal. Ela cresceu em Semipalatinsk e hoje é ativista pelos direitos das vítimas dos testes nucleares.
Há exatos 71 anos, a URSS realizava o teste da bomba de hidrogênio Sloika (RDS-6), no campo de testes Semipalatinsk, atual Cazaquistão (🇰🇿).
— Monitor Centro-Asiático (@Monitor_AC) August 12, 2024
A bomba foi detonada às 04h30, horário de Moscou. A explosão gerou uma força de 400 quilotons e causou destruição em um raio de 4 km. pic.twitter.com/ZU9gXvHjrE
A história de Maira reflete o drama de milhares de famílias. Ela perdeu a mãe, a irmã, o marido e o irmão, todos vítimas de câncer. “Depois de mais de 30 anos, agora podemos dizer que durante 40 anos uma guerra atômica foi travada em nossa linda terra”, afirmou. A própria Maira também recebeu diagnóstico de câncer recentemente. “Fiz uma operação, mas não sei quanto tempo me resta”, disse.
Os efeitos da radiação também impactam profundamente a saúde mental da população. Um funcionário da prefeitura local chegou a relatar à ONU que “as pessoas nas aldeias se acostumaram com suicídios”. Maira confirma esse quadro. “Após o fechamento do local, as taxas mais altas de suicídio ficaram conhecidas como ‘síndrome de Kainarsky’”, contou.
Após o encerramento dos testes, uma lei aprovada em 1992 instituiu o “passaporte de radiação”. O documento garante acesso a benefícios como uma pequena compensação mensal e períodos maiores de licença médica. No entanto, Maira denuncia que a ajuda se tornou insuficiente. “A lei está efetivamente extinta hoje, e suas disposições atuais são discriminatórias”, afirmou.
O The Sun também relatou que a cidade ultrassecreta de Kurchatov foi construída nos arredores do Polígono para abrigar cientistas nucleares e oficiais soviéticos. Enquanto a elite vivia com conforto e segurança, as populações vizinhas, sem acesso à informação, foram expostas durante anos à radiação sem saber dos riscos. “Só soubemos disso no fim da década de 1980, quando informações sobre os testes começaram a vazar”, disse Maira.
On 22 November 1955, the Soviet Union conducted its first hydrogen bomb test, code-named RDS-37, at the Semipalatinsk Test Site.
— Chay Bowes (@BowesChay) October 6, 2024
It was dropped from a Tupolev Tu-16 bomber and detonated at an altitude of 1550m with a yield of 1.6 Megatons
Modern Nuclear Weapons Dwarf its power pic.twitter.com/aBIimdwY0c
Mesmo décadas após o fim dos testes, o perigo não desapareceu. A radioatividade segue presente no solo, na água e na fauna local. Moradores continuam pescando no chamado “Lago Atômico”, formado em 1965 após uma explosão nuclear subterrânea. “Eles passaram a acreditar que é seguro”, relatou Maira, embora os níveis de contaminação ainda sejam considerados perigosos.
O Dia Internacional contra Testes Nucleares é celebrado em 29 de agosto, data da primeira explosão em Semipalatinsk, realizada em 1949. A cada ano, os moradores da região lembram não só das vítimas das bombas, mas também dos efeitos que continuam afetando gerações inteiras. “Esse mal não poupou nenhuma família”, conclui Maira na reportagem.