Tensão da folha de coca na Bolívia: Tradição ancestral em xeque pelo narcotráfico
- porRedação
- 29 de Maio / 2025
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| Créditos: Imagem do mercado dos Yungas/R7
A folha de coca, um símbolo de profunda ancestralidade e com comprovadas propriedades medicinais na América do Sul, é hoje o epicentro de um dos maiores conflitos do continente. Apesar de seu uso tradicional por povos indígenas para combater o cansaço e aliviar o "mal de altitude", a planta é também a matéria-prima da cocaína, gerando uma tensão que já dura mais de meio século e se intensificou na última década com o avanço acelerado das áreas de cultivo.
A proibição internacional do cultivo e comercialização da folha de coca, imposta pela Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 da ONU, atinge a maioria dos países, incluindo o Brasil. Apenas Bolívia, Peru e Colômbia mantêm exceções legais, sob condições específicas: autorização em territórios indígenas na Colômbia, sistema de licenças no Peru e reconhecimento limitado para demanda cultural e histórica na Bolívia. A convenção, que visava erradicar o cultivo em prazos determinados, é vista por historiadores e sociólogos como um fracasso por tentar suprimir práticas culturais milenares.
Expansão do cultivo e seus desdobramentos
Colômbia, Peru e Bolívia são os maiores produtores mundiais. Na Bolívia, a produção se concentra em duas regiões com visões distintas: Yungas, no departamento de La Paz, onde a coca é considerada "ancestral" e de melhor qualidade para o consumo tradicional (acullico ou boleo), e o Trópico do Chapare, em Cochabamba, historicamente associado ao narcotráfico devido ao alto teor de alcaloides da folha, ideal para a produção de cocaína.
Até 2017, o cultivo legal na Bolívia era limitado a 12 mil hectares, principalmente nos Yungas. No entanto, um decreto do então presidente Evo Morales expandiu essa área para 22 mil hectares, beneficiando o Trópico do Chapare. Essa ampliação gerou revolta entre os produtores tradicionais dos Yungas, que acusaram Morales de "cocalizar" o país e favorecer o narcotráfico. René Llojlla, líder da ADEPCOCA (Associação Departamental dos Produtores de Coca dos Yungas de La Paz), denuncia que a medida promoveu a expansão do cultivo e incentivou o mercado ilegal.
Mercados paralelos e prisões no Brasil
A ampliação das áreas de cultivo e a criação de um mercado paralelo aprofundaram o racha entre produtores tradicionais e aliados do governo. César Apaza, líder cocaleiro dos Yungas, preso em 2022 após protestos, tornou-se um símbolo de resistência. Ele critica a lei que ampliou as áreas de cultivo e denuncia a existência de "fábricas mafiosas" de cocaína no Chapare.
Enquanto a ADEPCOCA dos Yungas comercializa legalmente cerca de 95% de sua produção para uso tradicional, o mercado de Sacaba, em Cochabamba, autorizado a comercializar a coca do Chapare, vê uma quantidade insignificante de folhas. Isso levanta suspeitas de que a maior parte da produção do Chapare não chega ao mercado oficial, abastecendo o narcotráfico.
Mercados clandestinos, chamados "centros de acopio", proliferam no Chapare, funcionando como pontos diretos de escoamento para o narcotráfico. Há relatos de traficantes contratando moradores para comprar gasolina para o processo de maceração da folha de coca, etapa crucial na produção de cocaína.
Apesar dos usos tradicionais, como chás e produtos alimentícios, a folha de coca pode levar à prisão no Brasil. Muitos bolivianos, desconhecendo a proibição brasileira da posse, trânsito, comercialização e consumo da folha, são detidos ao entrar no país com folhas para consumo próprio ou revenda, como foi o caso de Ruben Chambilla, costureiro boliviano que foi preso com 70 kg de folhas, mas foi solto após sentença favorável.
Fonte: R7